Ponto de vista
(Renan)
—
Ahaa! Achei você! — Meu rosto suava e sorria involuntariamente. Acabava a
corrida pelo bairro a procura de meu gato. O peguei no meu colo e comecei a
andar de volta para casa. — Não pode fugir desse jeito! — Esfreguei minha mão
na cabecinha dele fazendo um cafuné. Eu estava ofegante, acabara de correr dois
quarteirões inteiros! Me impressiona que consegui alcança-lo. — Hestia,
Hestia... — Falei baixinho o nome dela, e depois suspirei.
No
caminho para minha casa, fiquei pensando em qualquer coisa que aparecia no
ambiente em minha volta. Como... a gigante estátua mostrando um homem velho
barbudo apontando para algum lugar, ou o céu que brilhava azul mesmo com tanta
poluição da cidade. Era lindo, posso dizer. Só que... não muito lógico.
Os
meus pensamentos foram interrompidos por um ruído pesado ensurdecedor, uma
surpresa para mim. Bastante moradores que caminhavam se assustaram. “Será que
foi um tiro?” Ouvi. “Claro que não, este bairro é calmo... Deve ter sido outra
coisa.” disseram os vizinhos em seus jardins. A rua era estreita mas as casas
largas, com quintais verdes e floridos.
“Acho
melhor entrarmos.”
Agora
a rua estava quieta, como se ninguém morasse nela: abandonada. Os habitantes
estavam medrosos, eram suas primeiras experiências com o perigo. E por este
silêncio pude ouvir:
—
Socorro! — A voz era alta. Ao longe eu pude ver a silhueta de uma garota vindo
em minha direção, ela gritava com força, pedindo ajuda. Sua manga estava
manchada com algum líquido vermelho, de longe parecia sangue. — Me ajude, por
favor...
Ela
segurou minha mão com força e saímos a correr pela rua sem direção. Eu pude
sentir ela arfando com força e desesperadamente, eu não conseguia fazer nada
sem ser puxado. Paramos num beco escuro e mal cheiroso. Havia uma caçamba de
lixo verde aberta.
—
Quem é você? — disse, ofegante. Olhei para ela, esperando uma resposta. — Do
que estamos fugindo? — Continuei com as perguntas.
Ela
me abraçou chorando. — Meu pai... — Seus olhos lagrimavam, molhando minha
camisa branca. Ela parecia ter uns dez ou onze anos pela aparência, quatro anos
mais jovem que eu.
— Eles...
Atiraram nele... Eu não pude fazer nada... — Me senti muito mal por ela. Será
que os bandidos ainda estavam a perseguindo? Não saberei até ela conseguir me
explicar.
Um
estrondo altíssimo penetrou meus ouvidos me fazendo soltar a garota de meus braços
para tapa-los. Ela começou a urrar de dor em minha frente. Sua íris encolhia
enquanto olhava em meus olhos. Virei a cabeça instantaneamente, vendo de onde o
som tinha vindo: Um adolescente mal vestido segurava uma arma de fogo em nossa
direção, percebi que ele tinha atirado no braço da menina. Peguei o braço dela
que não estava machucado e corri pelo beco, a puxando para dentro da escuridão,
virei na volta e conseguia sentir as balas da arma atingindo a parede.
A
pequena chorava dolorosamente enquanto o sangue manchava sua camisa, eu queria
salva-la, mas se continuar desse jeito, o assassino irá nos ouvir e nos achar.
Eu
não conseguia ver quase nada por dentro da viela. Segurava forte ela enquanto
tremia como nunca, eu quase a soltava pelo suor da minha mão. — Ali! Se
pularmos aquela grade poderemos fugir, vem! — Agarrei firmemente o braço dela
para carrega-la comigo pala saltar a cerca. Escalei o obstáculo e me joguei
para o outro lado.
—
Eu... Eu não vou conseguir pular, estou com medo...! — berrou, com lágrimas em
seu rosto. — Me ajuda... — Olhava diretamente em meus olhos.
—
Você consegue! — Fitei ela tentando a encorajar, mesmo com raiva. Os passos do
perseguidor estava ficando mais alto. — Agora! — gritei com toda minha força.
Ela
saltou em minha direção para eu segura-la. Logo depois saímos correndo em
direção à Polícia, torcendo para que ele não nos alcançasse.
~ Quatro anos
depois. ~
Eu
não acredito que isto está acontecendo, realmente. Após o terremoto, Me achei aqui,
neste lugar.
Pelos
cartazes da parede, pode ser uma escola. Mas não tenho certeza. Um colégio
talvez? Tenho uma sensação que já estive neste lugar antes.
Os
corredores eram escuros e infinitos. No teto, uma pequena luz ligada que
lembrava um sabre não iluminava nada, dos lados haviam portas que levavam à
salas iguaizinhas as outras: Um quadro negro, seguido pelo lugar professor e
logo depois por 4 fileiras de 6 mesas e cadeiras, formando 24 lugares.
Só
que uma sala tinha um destaque incompreensível: Da porta no corredor emanava
uma escuridão fazendo com que parecesse que onde eu estou e estive, estivera luminoso
e só nesta sala, trevas.
Isso
atiçou minha curiosidade, eu tive que investigar. Na maçaneta estava presa uma
corda, a desatei e abri a porta lentamente fazendo a ranger. O lugar inteiro
era feito por madeira velha, uma verdadeira lembrança do passado. Joguei a
corda no chão do lugar e voltei minha atenção para o que estava em minha
frente. Em poucos segundos pude ver o que tinha aqui, qual não seguia o padrão
das outras salas. Um garoto bem no meio sorria perturbadoramente em minha
direção, seus olhos eram negros e suas roupas desgastadas. Um déjà-vu, o frio
na barriga que nunca sentira antes. De algum jeito, seu corpo começava a
desaparecer e em um piscar de olhos, não estava mais lá.
Deixou
em seu lugar um corpo sentado em uma cadeira: a única em todo o lugar, bem no
meio. Percebia-se que era um cadáver por causa do buraco em sua barriga. Suas
entranhas estavam com marcas de dentes, mastigadas. Dei um passo para trás.
As
lágrimas invadiam meus olhos e escapavam pelo meu rosto. Cai de joelhos no chão
e comecei a chorar, gritando de dor. Olhei para cima e vi o mesmo garoto, agora
sem a aura maligna, segurando uma faca manchada com meu sangue. Botei a mão no
machucado no lado esquerdo de minha barriga, numa tentativa de esquecer a dor.
Levantei e chutei a perna dele.
—
Jonas... — Minhas palavras quase não saiam de minha boca, me fazendo tossir sangue.
— Você a matou! Tomoyo...
—
Não matei. — disse. — Não há ninguém que eu queira matar além de você, Renan.
Ele
se aproximou do corpo da cadeira e o chutou de lá, mude sentir seus ossos
fracos quebrarem ao colidirem com o chão. Isto era inevitável, os ossos estavam
apodrecidos, mas...
—
N-não! — gritei com todas minhas forças. — Tomoyo!
Ele
puxou meu braço e me jogou na cadeira, de alguma forma ela nem se moveu um
pouco. Estava colada no chão? Tentava me mexer, porém estava paralisado de
medo.
(O
que... O que ele vai fazer comigo?) Pensei, desesperado.
Jonas
socou meu rosto e começou a me amarrar na cadeira com a corda que estava no
chão. Agora eu realmente estava paralisado. Tirou o casaco e prendeu firmemente
as mangas no meu rosto, tapando somente minha boca.
—
Não tente fugir. — Ele sorriu, me provocando.